segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Avenida Brasil, 500

Aprendi a ler jornal lendo o Jornal do Brasil. Meu pai era assinante, gostava de ler na cadeira de balanço, na varanda de nossa casa, e invariavelmente deixava o jornal desorganizado, as folhas mais ou menos soltas e matérias às vezes anotadas com as garatujas de um ex-telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil que depois ascendeu ao topo da carreira. Ele cresceu profissionalmente, mas jamais se livrou da letra horrenda, típica de quem consolidou a caligrafia traduzindo rapidamente para o papel as mensagens criptografadas em código Morse.
Depois da leitura dele, eu juntava a papelada, recompunha os cadernos. A bem dizer, não havia exatamente “cadernos”: em geral um cadernão principal, com noticiário nacional, internacional, cidades, economia e esportes; depois, o “Caderno B” e o caderno de classificados. Aos sábados havia um caderno de automóveis, se não me engano. A cada 15 dias, nos anos 1970, o suplemento “Livro”. Para verificar tudo isso há uma página riquíssima do Google News, um paraíso para pesquisadores. Pena que o JB seja o único jornal brasileiro disponível nesse serviço.
O nariz de cera é para dizer o seguinte: o JB era um ícone, um jornal muito bem-feito, malgrado as limitações técnicas da época. Era uma prova de atitude andar pela rua com o jornal debaixo do braço, mas com o logotipo visível, como se disséssemos aos circunstantes “sou progressista (ou de esquerda, vá lá), sou leitor do JB”. E a alma desse grande jornal, sobretudo no tempo em que me acostumei a fazer dele leitura diária, foi forjado por Alberto Dines – que em nosso curso se absteve de falar desse assunto. Acho que sei por que. Ele se desconcerta como uma criança quando é alvo de elogios ostensivos. E só há o que elogiar na passagem de Dines pelo JB.
Só para ficar num exemplo clássico. A imagem abaixo traz um fragmento da primeira página da edição de 14 de dezembro de 1968, que foi às ruas horas depois da decretação do Ato Institucional nº 5 (“Às favas com os escrúpulos”, Jarbas Passarinho dixt, lembram-se?). Está aqui o áudio da reunião histórica, iniciada às 16h de uma sexta-feira 13, no Palácio Laranjeiras, no Rio. 

Outra coisa que eu achava o máximo era uma retranca circunstancial, que aparecia de vez em quando, em geral determinada pela cobertura de algum assunto quentíssimo. Vinha sob o chapéu “Tudo sobre”, ou algo assim. Isso me parecia de uma arrogância atroz. Como, “tudo sobre”?? Que pretensão! Aí você lia e, realmente, estava tudo ali. Era outro fruto de mais uma invenção do Dines, o Departamento de Pesquisa. Este, aliás, era um lugar que povoava minha mente de jornalista iniciante, dava tesão. Não eram raras as matérias que vinham acompanhadas de um box assinado por “Departamento de Pesquisa”, com informações adicionais e os contextos devidos.
A paixão pelo Jornal do Brasil me fez tomar o maior chá de cadeira de minha vida. Era junho de 1975, eu estudante de jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora, resolvi que faria um estágio no JB. Tomei o ônibus das 5 da manhã da Viação Útil, e da Rodoviária Novo Rio fui a pé à sede do jornal, na Avenida Brasil 500. Era perto. Na portaria pedi para falar com Walter Fontoura, então editor chefe, a quem jamais vira mais gordo. Claro, ele não havia chegado. Foi um sufoco para subir ao quarto andar, mas consegui. Plantei-me na sala do dito-cujo. Por horas. A secretária se compadeceu de minha situação, lembro que ela me tratou com muita fidalguia enquanto eu insistia em não arredar o pé dali. Comi sanduíche na lanchonete com vista para cais do porto, li os jornais do dia, os atrasados e todas as revistas disponíveis, reparei no entra-e-sai na sala do big boss e estranhei bastante quando flagrei uma conversa telefônica da secretária com não-sei-quem solicitando que se consertasse o boiler do banheiro da casa do chefe. Na minha santa ingenuidade achei que havia ali um conflito de interesses. Pobre de mim...
Era quase fim de tarde quando fui recebido por Walter Fontoura. Não lembro quanto durou a “audiência”, mas deve ter sido rápida. Eu queria porque queria ir para a Política, e ele me mandou falar com Elio Gaspari. Encontrei-o ao telefone, escarrapachado sobre uma cadeira giratória, com os braços cruzados sobre a cabeça apoiando o fone, conversando com não sei quem. Atendeu-me e foi logo cortando o barato: “Logo logo começa o recesso parlamentar, o Congresso estará vazio, não haverá nada para você fazer por aqui”. Broxei. Que fazer, então. “Procure o Humberto Vasconcelos, no ‘Caderno B’.”
Não deu outra. Fui bem recebido, ouvido, animado... e aceito. Hora dessas escrevo sobre Humberto e o seu sub, Mário Pontes, gente finíssima, ambos falecidos. Comecei o estágio dali a três dias. E pude frequentar o Departamento de Pesquisa, que ficava à direita de quem saía dos elevadores, nos fundos do quarto andar, onde funcionava a Redação. Um luxo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sem assunto, um assunto

Se eu tivesse algo para dizem em um blog, já teria criado um. Quando eles surgiram – então chamados weblogs, tidos como diários pessoais na web, tanto quanto possível recheados de hiperlinks –, em torno de 1997, se não me engano, eu já era um feliz navegador da internet discada, dono de um modem de 4.800 kbs, mais rápido do que o de 2.400 que então usava desde antes de minha primeira conta Embratel, a pioneira provedora de acesso comercial no Brasil, em 1994.
Se eu fosse um ególatra, reivindicaria um lugar na história da tecnologia digital no Brasil: foi minha a primeira conta de internet na leal e valorosa Imperial Cidade de São Luiz do Paraitinga, no alto Vale do Paraíba, em São Paulo.
Se eu estivesse preocupado com a audiência deste LinotipoDigital, afora o compromisso assumido com o nosso professor Caio Túlio, me daria por satisfeito se cada um dos amigos informasse da sua existência (dele, do blog) ao seu amigo e ao amigo do seu amigo, já que, de algum modo, o Degas aqui precisa arrumar um jeito de alavancar audiência para não correr o risco de ser mal avaliado em uma das disciplinas de um curso pelo qual paga-se caro. Se um disser para outro, e assim sucessivamente, quem sabe se reproduz aqui uma história que ouvi no ginásio (ops!, “curso ginasial”, vai ser old fashioned assim no... deixa pra lá), dizia da história de um jogador de xadrez que ganhou uma partida decisiva contra um rei que se sentia o imperador da cocada preta. Acho que é uma fábula do Malba Tahan. Si non è vero, è bene trovato.
O rei impressionou-se com a rapidez com que fora derrotado e propôs ao contendor (digamos que este era um escravo, a caminho do cadafalso, para dar um pouco mais de molho nesta falta de assunto) que pedisse o que quisesse como prêmio pela vitória. O escravo (vá lá, era um escravo!) pediu o seguinte: o tabuleiro de xadrez tem 64 casas. Ele quis do rei que se colocasse um grão de trigo na primeira casa, dois na segunda casa, quatro na terceira, dezesseis na quarta, 256 grãos na quinta, e assim sucessivamente, sempre dobrando o número de grãos.
– Mole pro gato – teria dito Sua Majestade, em concessão populista ao linguajar do interlocutor.
Ocorre que, nessa balada, ao chegar à 64ª casa, o rei descobriu que a quantidade de trigo que deveria ceder era maior do que a capacidade de produção do reino. Não apenas maior, mas muuuito maior.
Duvida? Experimente fazer a conta. Depois me diga. E se leu até aqui, o efeito da multiplicação já terá sido notado neste blog. O que era audiência 1, a minha, passou para audiência 2, você.
Dobrou!!!